O comunicado financeiro publicado pela Tesla Inc., fabricante de veículos elétricos (EVs, Electric Vehicles) dos EUA, é um lembrete perfeito dos dois principais desafios enfrentados pela indústria automobilística no curto prazo: (i) impulsionar vendas de veículos de propulsão alternativa (APV, Alternatively Powered Vehicles), especialmente EVs, para compensar o declínio em sistemas de transmissão tradicionais e (ii) limitar o declínio de rentabilidade para preservar a capacidade de investir no futuro dos automóveis. Nesse sentido, 2020 já parece ser crucial.

O crescimento nos APVs ainda não é forte o bastante para sustentar uma recuperação do mercado automotivo global em 2020. Esperamos que este mercado passe por mais um declínio em termos de volume em 2020 (-1%) após uma contração notável em 2019 (-4%).

Os primeiros números disponíveis para 2019 indicam um aumento de dois dígitos nas vendas globais de veículos elétricos (EVs, Electric Vehicles) para mais de 2 milhões. Isso representa um desempenho notável, uma vez que o mercado chinês, o maior, apresentou contração em 2019 pela primeira vez, com vendas de EVs caindo em -4% para 1,2 milhões, muito abaixo da meta de 1,6 milhões. Na China, o corte drástico nos subsídios – implementado em junho para afinar o mercado superlotado e aumentar a competitividade – afetou profundamente as vendas de veículos elétricos a bateria (BEVs, battery electric vehicles, caíram -1% para 972.000) e de veículos elétricos híbridos plug-in (PHEVs, plug-in hybrid electric vehicles, caíram -15% para 232.000).

Esperamos que as vendas de EV em 2020 continuem a ter uma forte dinâmica no nível global (+20%). Esse crescimento viria principalmente de um nível estabilizado na China, onde não deve haver mais reduções no programa de incentivos, e sim um ajuste provável no cronograma para a descontinuação, e uma recuperação na Europa, onde fabricantes de automóveis estão multiplicando esforços para impulsionar a produção e as vendas de EV para cumprir regulamentos visando a redução das emissões. Esperamos um crescimento notável na Alemanha, que já em 2019 tornou-se o país líder na Europa em vendas de EVs, superando a Noruega. Nesse contexto, deve haver mais de 10 milhões de EVs na estrada no mundo todo em 2020, em comparação com menos de 2 milhões em 2016.

De fato, as vendas de EVs devem se beneficiar de diversos fatores simultâneos tendo um papel positivo, como o lançamento de novos modelos com faixas mais elevadas, o desenvolvimento da infraestrutura de cobrança e os diversos incentivos em relação a iniciativas de mudanças climáticas. Esperamos que as frotas de empresas conduzam a dinâmica na Europa por representarem mais de 50% das novas vendas de automóveis (agregando carros alugados a concessionárias/atacadistas e frotas públicas e corporativas) e porque não se prevê que as famílias abandonem totalmente sua atitude de "esperar para ver" no curto prazo. De fato, este último elemento vem de uma mudança na percepção das vantagens e desvantagens relativas de cada tipo de motor e, o mais importante, uma questão de acessibilidade de preço para a grande maioria dos clientes (famílias de baixa renda e de média renda).

Apesar da dinâmica positiva para os veículos elétricos, o mercado global de automóveis tende a apresentar mais um declínio em termos de volume em 2020 (-1%), caindo para 90,4 milhões. O crescimento nas vendas de EVs ainda representará um número limitado de veículos em 2020, com 2,5 milhões, ou seja, uma participação de mercado de 3%. Ao mesmo tempo, o prolongamento na atitude de "esperar para ver" em relação a EVs pesará em parte nas vendas de veículos convencionais – aumentando a idade média da frota de veículos nas estradas. Nesse contexto, é esperado que o mercado automotivo global tenha dificuldades em se estabilizar em 2020. Projetamos um declínio de -1% em termos de volume para 90,4 milhões, após um notável declínio de -4% em 2019 (com base na agregação dos primeiros números disponíveis para os 25 principais mercados). Isso representaria uma perda adicional de 0,9 milhão de veículos ao longo de 2019 e 5,3 milhões desde o pico registrado em 2017.

Os três principais mercados (2/3 do total) apresentam uma perspectiva fraca para 2020. A China (-1%) não deve passar por outra rodada de seu desenvolvimento em alta velocidade registrado nos últimos 20 anos, especialmente se a epidemia do coronavírus durar mais. A epidemia atrasaria as vendas e a produção, uma vez que a região de Hubei é o quarto centro automotivo do país (com ~9% da produção nacional) após Guangdong, Jilin e Xangai. O mercado dos EUA, que atingiu um pico em 2016 com 17,9 milhões, deve notar outro declínio 'moderado' em 2020 (-2,5%) graças à desaceleração macroeconômica e à precificação atrativa de carros de segunda mão relativamente novos, com os preços de novos veículos ficando em torno de 40 mil dólares, em média. A Europa (-2%) deve observar seu primeiro declínio após seis anos consecutivos de crescimento, levando a 15,3 milhões em 2019. O salto nos registros no final de 2019 foi impulsionado por um efeito de promoção de vendas e registros individuais de modelos com menor conformidade de CO2 para limitar multas por CO2 em 2020.

O que isso significa para as empresas? Aumento na concorrência via preços e pressões negativa sobre as margens, o que reduzirá o EBITDA combinado das 25 principais fabricantes de automóveis (-11% em 2019 e -3% em 2020) em um ambiente de baixo crescimento das receitas (+1%).

Globalmente, esperamos que a maior competitividade nos preços limite o crescimento da receita e intensifique a pressão sobre as margens, especialmente para fabricantes de automóveis mais preocupados com questões de conformidade de CO2 na Europa (uma vez que ofertas comerciais podem ser necessárias para acelerar a transição para EVs de modo a limitar multas por CO2).  Esperamos que a temporada de ganhos confirme um declínio na receita e na rentabilidade (EBITDA) para 2019, -3% e -11%, respectivamente, para as 25 principais fabricantes de automóveis. Isso implica uma redução na margem de EBITDA em 0,9pp para 10,3% (comparado com 11,2% em 2018 e 11,7% em 2017).

Para 2020, esperamos uma melhoria limitada na receita (+1%) e outro declínio no EBITDA, tanto em termos de valor quanto em termos relativos (margem de EBITDA caindo abaixo de 10%), apesar da maior pressão sobre fornecedores e outra rodada de corte de custos (através do fechamento/relocalização de fábricas, demissão de pessoal).  Essa última possibilidade parece altamente provável, uma vez que a indústria ainda precisa investir massivamente em veículos de emissão zero e enfrenta outras questões de mobilidade (carros conectados, veículos autônomos). Para o nosso conjunto, o CAPEX deve permanecer acima de 100 bilhões de euros em 2020.