Em 2021, os países latino-americanos podem manter as reservas cambiais "excedentes" em torno de 8,8% do PIB, com um custo de oportunidade para a atividade econômica de até 0,7% do PIB. Definimos reservas cambiais excedentes como cobrindo mais de 100% das necessidades de financiamento externo de um país. No passado, as reservas eram usadas como proteção contra a volatilidade e ataques especulativos, e têm sido a maneira da América Latina de se proteger das desvantagens da liberalização financeira. Como resultado, a região como um todo tornou-se menos vulnerável aos tipos de crises financeiras que viveu entre os anos 1970 e 1990 (com exceção da Venezuela, Argentina e Equador). No entanto, as reservas cambiais podem chegar a cerca de 424 bilhões de dólares, ou seja, 8,8% do PIB latino-americano em 2021 (após 10% do PIB em 2020 e uma média de 4% desde 2004). Os bancos centrais que detêm tais reservas em títulos do Tesouro dos EUA de baixo rendimento podem não estar empregando-as da maneira mais eficiente: estimamos que o custo de oportunidade de não usar essas reservas para investimentos mais produtivos foi de, em média, 0,4% do PIB a cada ano nos últimos 15 anos, e pode subir para 34 bilhões de dólares ou 0,7% do PIB em 2021.

Figura 1: Cenário base - “Excesso” de reservas cambiais na América Latina (USDbn e% do PIB)

Fontes: National Statistics, IHS Data Insight, Allianz Research
Figura 2: Cenário base - Custo anual das reservas cambiais “excedentes” na América Latina (USDbn e% do PIB)
Fontes: National Statistics, IHS Data Insight, Allianz Research

Embora a maioria dos países latino-americanos corram menos risco de uma crise financeira, simulamos o impacto de uma parada repentina nas reservas “excedentes”. Na pior das hipóteses, um grande choque nas necessidades de financiamento ainda deixaria as reservas em torno de 183 bilhões dólares ou 3,8% do PIB este ano (contra 423 bilhões dólares em nosso cenário base). Na Figura 3, reproduzimos o maior aumento das necessidades de financiamento como porcentagem do PIB já registrado nos últimos 20 anos para cada país. O custo de oportunidade de manter as reservas em títulos de baixo rendimento em um cenário de choque seria de 0,3% (ver figura 4).

A maior parte das reservas excedentes está no Brasil, México e Peru (ver figura 7), mesmo no pior cenário, enquanto a Colômbia e a Guatemala também têm um colchão considerável. No entanto, em caso de choque ou parada repentina, as reservas cambiais no Chile, Bolívia e Argentina não cobririam todas as necessidades de financiamento, enquanto o Uruguai ficaria no limite.

Figura 3: Cenário adverso / choque: “Excesso” de reservas cambiais na América Latina (USDbn e % do PIB)

Fontes: National Statistics, IHS Data Insight, Allianz Research
Figura 4: Cenário de choque - Custo anual do “excesso” de reservas cambiais na América Latina (USDbn e % do PIB)
Fontes: National Statistics, IHS Data Insight, Allianz Research
Figura 5: Cenário adverso / de choque: “Excesso” de reservas cambiais na América Latina, por país (amostra de 11 países em 35, USDbn)
Fontes: National Statistics, IHS Data Insight, Allianz Research

Redirecionar as reservas excedentes para investimentos produtivos de longo prazo ajudaria a América Latina a preencher sua lacuna de infraestrutura, aumentar a produtividade e, assim, melhorar o ambiente de negócios, criando mais oportunidades para as empresas. México, Brasil e Peru, em particular, têm potencial para fundos de desenvolvimento. Com menos vulnerabilidades, estruturas macroeconômicas mais estabelecidas, uma necessidade urgente de reiniciar a economia e reconstruir a infraestrutura social após a Covid-19, agora, pode ser o momento certo para os países latino-americanos redirecionarem algumas de suas reservas excedentes para projetos mais arriscados. Usar os Fundos de Riqueza Soberanos para “estabilização” (destinada a isolar o orçamento e proteger contra a volatilidade nos preços das commodities) e “desenvolvimento” (para ajudar a financiar projetos ou políticas industriais que aumentem a produção econômica) faria sentido (ver Figura 6). Isto implicaria em uma estratégia de investimento mais agressiva a longo prazo (carteira de maior rendimento) e uma mobilização de recursos para financiar o investimento em infraestrutura ou outras políticas estruturais.

Figura 6: Fundos de estabilização e desenvolvimento, exemplos e estratégias

Fontes: vários, Allianz Research

Enquanto os maiores países latino-americanos parecem ter adotado o fundo de poupança (Panamá) ou o modelo de fundo de estabilização (México, Peru, Chile), o Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE na sigla em inglês) classificou apenas o fundo do Chile entre os 10 maiores fundos globais em 2019. O PIIE examina o desempenho dos fundos, em média, em 33 elementos indicadores em quatro categorias: (i) estrutura; (ii) governança; (iii) transparência e responsabilidade; e (iv) comportamento. O fundo de estabilização de petróleo do México está classificado em 35º entre 64 fundos analisados, enquanto o fundo de estabilização do Peru está em 52º lugar entre 64.

Além disso, os chamados “fundos de desenvolvimento” permanecem escassos. O fundo soberano do Brasil foi dissolvido em 2018 para ajudar a reequilibrar os déficits fiscais. Hoje, o banco central brasileiro investe a maior parte de suas reservas em ativos mais líquidos e livres de risco, como os títulos do Tesouro americano, com grande custo de oportunidade. Quanto ao “Fondo de Petroleo” do México, foi classificado em 51º de 64 pelo PIIE (devido a deficiências na divulgação de governança, políticas de investimento, gestão de risco e mandatos) e seus investimentos se concentram apenas em hidrocarbonetos.

Os fundos de riqueza soberana (SWFs na sigla em inglês) excluem as reservas cambiais detidas pelas autoridades monetárias apenas para fins de balanço de pagamentos ou de política monetária tradicional. Portanto, teoricamente, os países com reservas que excedem as necessidades do balanço de pagamentos podem transferi-los para os “SWFs” para fins de investimento de longo prazo. No caso de muitos países latino-americanos, a acumulação de reservas cambiais é baseada em intervenções no mercado de câmbio por bancos centrais no contexto de superávits em conta corrente e / ou entradas de capital, mas também no caso de acumulação de lucros de empresas estatais. No caso de reservas que se originam de superávits em conta corrente ou entradas de capital, elas se tornam parte do estoque de reservas cambiais do banco central e não constituem "ativos fiscais gratuitos" à disposição de um governo, pois têm passivos de contrapartida. Como resultado, se o governo deseja “gastar” essas reservas, ele deve tomar emprestado para cobrir seus novos passivos. Assim, se um governo deseja criar um fundo soberano e usar as reservas cambiais excedentes do BC como patrimônio, ele deve operar de uma maneira específica. Por exemplo, a China Investment Corporation (CIC) teve que emitir títulos denominados em yuans para comprar reservas do PBOC para fins de investimento no exterior. Isso significa que os países latino-americanos terão que contar com financiamento de mercado para emitir. Da mesma forma, com o objetivo de usar suas reservas de moeda estrangeira para investimentos domésticos em infraestrutura, o Reserve Bank of India e o Ministério das Finanças trabalharam em uma proposta que visava estabelecer duas subsidiárias integrais da India Infrastructure Finance Corporation (IIFC). As duas novas subsidiárias teriam que tomar de fundos do RBI e emprestar para empresas indianas que implementavam projetos de infraestrutura no mercado interno.

Mas não basta constituir um fundo, como mostra o ranking do PIIE: o compromisso com a transparência, a divulgação da gestão de riscos, as políticas de investimento e a governança são essenciais para o sucesso, seus investimentos e a percepção dos mercados. Os países latino-americanos teriam que embarcar neste projeto gradualmente e com total transparência para evitar assustar os mercados e manter a confiança em seus fundamentos.