25 de Maio de 2020

A contração mais intensa no comércio desde o primeiro trimestre de 2009 é apenas a primeira parte da história. Nosso Índice de Momentum Comercial mostra que o segundo trimestre deve apresentar uma contração ainda mais intensa (ver Figura 1). De fato, em abril podemos chegar a uma queda de -13% a/a. No geral, o comércio contraiu -2,5% t/t no primeiro trimestre, uma vez que março apresentou o terceiro nível negativo consecutivo. Em março, as exportações da China se recuperaram em +12,4% m/m (+2,3% a/a) com o reaquecimento da economia, enquanto a Zona do Euro sofreu o maior impacto com -7,7% m/m (-10% a/a) com a pausa de suas maiores economias. Estimamos que o nível mais baixo será alcançado no segundo trimestre, com metade do PIB global em lockdown em abril e as exportações chinesas balançando em busca da demanda perdida, demonstrado por pedidos de exportação ainda mais fracos.

Os preços de comércio de mercadorias globais em USD contraíram ainda mais em março (-3,6% m/m), levando o número do primeiro trimestre a -6,2%. Esse é o resultado do choque nos preços de petróleo e na queda no preço das commodities em geral, uma vez que a demanda na China e então na Europa estacionou, enquanto o dólar apreciou significativamente. Para exportadores, o efeito dos preços deve agravar o choque de demanda, afetando as receitas de exportação.

Ainda assim, esse cenário ignora o comércio de serviços, que provavelmente apresentou uma queda ainda mais intensa de dois dígitos no primeiro trimestre, devido à queda intensa nos serviços de viagem e transporte ao redor do mundo. O comércio de serviços deve levar ainda mais tempo para se recuperar, uma vez que as restrições de transporte e viagem continuarão em vigor mesmo enquanto os lockdowns domésticos acabarem. Por esse motivo, não prevemos que o comércio global de mercadorias e serviços exceda 90% de seu nível pré-crise até o final deste ano.

Figura 1 - Comércio global de mercadorias e Índice de Momentum Comercial da EH

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Fontes: CPB, Allianz Trade, Allianz Research

O que isso significa para as empresas? Em 2020, estimamos que o setor energético será o mais afetado (-733 bilhões de dólares em perdas de exportação), seguido pelos setores de metais (-420 bilhões de dólares) e de serviços de transporte empatado com os fabricantes de automóveis (-270 bilhões de dólares). Embora os fornecedores de máquinas e equipamentos, têxteis e automóveis percam menos em termos de valor absoluto, o valor de suas exportações cairá em mais de 15%. Os únicos setores preservados devem ser os de serviços de software e TI (ganho de exportações de +51 bilhões de dólares) e farmacêuticos (+27 bilhões de dólares). O mercado de ações também está definindo preços levando em conta os danos aos setores que identificamos: em termos year to date, MSCI Energy perdeu -37% de seu valor, o setor automotivo perdeu -18%, o setor de transportes -16% e o setor de metais e mineração perdeu -11%, enquanto o índice agregado mundial MSCI perdeu -12%. Os títulos do setor bancário também perderam assombrosos -39%.

Figura 2 - Mudança de 2020 nas exportações por setor (bilhões de USD) e proporção das exportações totais de 2019 (%)

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Fontes: UCNTAD, Allianz Trade, Allianz Research

Qual país perderá mais? Neste ano, praticamente nenhum país registrará ganhos de exportação comparáveis aos de 2019. Os mais afetados em termos de valor total nas perdas de exportação são, é claro, os maiores exportadores: China (-275 bilhões de dólares), EUA (-246 bilhões de dólares) e Alemanha (-239 bilhões de dólares). Classificamos os países de acordo com suas perdas de exportação em termos de valor absoluto e sua proporção em relação às exportações totais em 2019. Aqueles que podem registrar perdas de exportação mais altas em termos de valor absoluto e como proporção de suas exportações totais são os seguintes: Rússia, Reino Unido, México, Espanha, EAU, Bélgica e Arábia Saudita.

Figura 3 - Mudança de 2020 nas exportações por país (bilhões de USD) e proporção das exportações totais de 2019 (%)

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Fontes: IHS Markit, Allianz Trade, Allianz Research
Figura 4 - Mudança nas exportações totais por país (bilhões de dólares)
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Fontes: IHS Markit, Allianz Trade, Allianz Research

Por fim, as medidas protecionistas de curto prazo para produtos médicos, a ressurgência da retórica patriótica econômica e o direcionamento nacionalista das políticas econômicas podem atrapalhar as cadeias de suprimentos na fase de recuperação e desacelerar o retorno à atividade no segundo semestre. Embora a China tenha recentemente imposto uma tarifa de 80% sobre as exportações de cevada da Austrália, rumores de tarifas sobre as importações pelos EUA da China se intensificam de maneira proporcional às acusações do papel de Beijing na crise da Covid-19. As discordâncias comerciais no curto prazo podem drenar a confiança, assustar os mercados e interromper o ciclo de investimento. Historiadores econômicos demonstraram que a Grande Depressão dos anos 1930 provavelmente foi agravada pela adoção de políticas comerciais restritivas. Ainda em 2019, a disputa comercial entre EUA e China e a recessão manufatureira que ela criou subtraíram mais de 300 bilhões de dólares do comércio global.

As mudanças de médio prazo nas políticas econômicas também devem ser monitoradas. O representante comercial dos EUA defendeu o fim do offshoring, enquanto o parlamento europeu declarou que "apoia a reintegração de cadeias de suprimento dentro da UE". Será que uma transição generalizada para a nacionalização e o divórcio da economia chinesa podem fazer sentido?

Em primeiro lugar, a dependência total da fabricação chinesa cresceu nos últimos 20 anos, o que dificulta muito a nacionalização: Não apenas a fabricação chinesa como parcela da fabricação global mais do que dobrou desde 2004, como também os países aumentaram sua dependência direta e indireta de insumos chineses (Baldwin e Evenett, 2020). De fato, a China fornece insumos para os EUA. Mas ela também é uma fornecedora importante de peças de automóveis para a Alemanha, o Japão, o México e o Canadá. Esses países, por sua vez, usam insumos chineses ao fabricar peças e componentes de automóveis que vendem para montadoras baseadas nos EUA, o que cria uma dependência indireta da China, muito maior do que a dependência observada.

Em segundo lugar, a nacionalização não necessariamente significa o corte de riscos: ela também pode implicar a aposta de todas as fichas em um só lugar, criando um risco de movimentos pró-cíclicos quando a crise bater. Imagine todos os setores expostos a flutuações domésticas na economia. Se uma economia estiver em lockdown e suas fábricas tiverem que ser fechadas, ela não poderá produzir tudo de que precisa localmente.

Em terceiro lugar, a insatisfação social crescente pode ser incompatível com a nacionalização, pois esta implicaria maiores custos trabalhistas repassados para o consumidor. Embora a independência estratégica seja enaltecida pelos formuladores de políticas, aumentar preços para bens duráveis-chave como automóveis ou eletrodomésticos pode ser uma medida impopular e politicamente delicada.

Por fim, para além dos argumentos políticos, os incentivos para que as empresas nacionalizem suas atividades ainda não são suficientes, e podem vir a custar muito dinheiro público, sendo potencialmente repassados ao contribuinte. Será que as empresas investirão suas margens? Será que todos os governos conseguirão driblar a vantagem comparativa de Ricardo e a alocação de trabalho onde é mais barato? Hoje, parece haver uma discrepância entre as posturas políticas ambiciosas e os incentivos para as empresas.

Mas não é só o comércio que pode ser prejudicado, uma vez que a triagem mais diligente dos investimentos estrangeiros diretos pode desacelerar os fluxos de capital internacional. Segundo a OCDE, nos últimos anos, entre 55% e 65% dos influxos de Investimento Direto Estrangeiro global entraram em países que aplicam processos de revisão de IDE intersetoriais – duas vezes mais do que a parcela de influxos de IDE globais que estavam potencialmente sujeitos a triagens de segurança na maior parte dos anos 1990. A crise da Covid-19 deve acelerar essa tendência, especialmente com a UE e o Reino Unido tornando suas regras de triagem mais exigentes. A UNCTAD prevê uma queda drástica nos fluxos de IDE globais – até 40% – durante 2020-2021, atingindo o nível mais baixo em duas décadas.