02 de Junho de 2020

No final do primeiro semestre de 2020, estimamos que os valores poupados por empresas da UE, fora do setor financeiro, dobrarão para mais de 700 bilhões de euros, ou mais de 4,5% do PIB. Em momentos de crise, as receitas das empresas caem, mas também há reduções significativas em planos de investimento, custos mais baixos com folha de pagamento, impostos mais brandos e cortes nos dividendos. Todos esses fatores permitem que as empresas aumentem suas posições de poupança líquidas.

No primeiro semestre de 2020, os pacotes de benefício de desemprego na maioria dos países da UE conseguiram proteger o EBITDA das empresas de quedas mais intensas, considerando que suas receitas medidas pelo valor agregado bruto caíram em -13% em média. Os preços do petróleo também ajudaram as empresas a reduzir seu consumo intermediário e garantir seu EBITDA. Além disso, pagamentos de impostos mais baixos, estimados em -30% em comparação com o final de 2019, permitiram que as empresas melhorassem sua renda disponível bruta, ou economias brutas, em +30%, ou cerca de 360 bilhões de euros, chegando a 1,5 trilhão de euros no primeiro semestre de 2020 (ver Figura 1).

Figura 1 – Estimativas das contas de empresas não financeiras por trimestre

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Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

Definições: 1/ Vendas – Consumo intermediário = Valor bruto agregado – Indenização de funcionários – Juros líquidos pagos – Dividendo líquido pago – Impostos = Economias corporativas (ou economias brutas) = Investimento + Amortização líquida de títulos + Aquisição líquida de títulos + Aumento líquido em depósitos bancários; 2/ Economias líquidas = economias brutas – consumo de capital fixo (capex)

Assim, as economias líquidas, ou seja, economias brutas menos a depreciação de capital ou dinheiro de atividades operacionais, devem dobrar até mais de 700 bilhões de euros no primeiro semestre de 2020. Em comparação com 2009, as economias líquidas aumentaram em +25% para 160 bilhões de euros na UE (ver Figura 2).

Figura 2 – Economias líquidas de empresas não financeiras da UE, em bilhões de euros, soma de 4 trimestres

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Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

Desde março de 2020, empresas fora do setor financeiro da UE também correram para guardar dinheiro para se proteger contra incertezas, incentivadas pelo influxo de mais de 1 trilhão de euros em garantias públicas estabelecido pelos governos europeus para impulsionar empréstimos bancários a empresas e evitar uma crise de liquidez (ver Figura 3).  Em abril, o crescimento dos empréstimos a empresas atingiu seu nível mais elevado desde 2009, a +6,6% a/a (subindo em 73 bilhões de euros em abril, ante 121 bilhões de euros em março). Na França, o total de empréstimos garantidos pelo estado foi superior ao total de empréstimos concedidos por outros países europeus. Eles devem atingir 120 bilhões de euros em setembro em relação ao nível atual de 85 bilhões de euros.  

A taxa de inadimplência estimada é relativamente baixa, de 5% a 10% ao longo dos próximos três a quatro anos, e pode sugerir que uma grande parte desses empréstimos são uma precaução contra possíveis pressões de liquidez.  

O excesso de dinheiro só aumentou em 2009 e, desde então, esteve em queda. Uma consequência do crescimento lento da demanda doméstica e um sinal de cautela de empresas fora do setor financeiro. Os preços de commodities mais baixos, impostos reduzidos e crescimento lento dos salários, permitiram que as empresas da UE mantivessem economias líquidas relativamente elevadas nos últimos anos (ver Figura 4). Além disso, as empresas também se beneficiaram de políticas monetárias bastante flexíveis, o que possibilitou retirar mais empréstimos bancários, especialmente a partir de 2015, quando o BCE implementou seu programa de flexibilização quantitativa (ver Figura 3).

Figura 3 – Novos empréstimos bancários a empresas não financeiras, a/a

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Fontes: BCE, Allianz Trade, Allianz Research

Se combinarmos os dois – ou seja, economias líquidas e novos empréstimos bancários, mas subtrairmos os investimentos fixos brutos – chegaremos ao que chamamos de excesso de dinheiro: empresas fora do setor financeiro, sobretudo as alemãs, construíram proteções monetárias notáveis em seus balanços (ver Figura 5).  Ao longo dos últimos anos, a concentração de capital por empresas fora do setor financeiro e o aumento nas economias das famílias, faz com que temamos que o acúmulo de dinheiro no setor privado na UE esteja se tornando endêmico, uma forma de proteção contra disrupções de renda. Isso reflete baixa confiança no crescimento futuro e ajuda a explicar a branda atividade de investimento nos últimos anos.

Figura 4 – Economias líquidas anuais por país, bilhões de euros

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Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

No segundo semestre de 2020, estimamos que as economias líquidas das empresas caiam junto com a retirada do apoio estatal e com os custos fixos mais altos, mas continuarão acima da média de 2019.  Com a melhora nos resultados financeiros e políticas monetárias mais flexíveis até 2021, as empresas tendem ampliar sua liquidez total e aumentar seus investimentos durante a fase de recuperação. Consideramos que a digitalização de processos de produção, o realinhamento de cadeias de valor e a melhoria da distribuição seriam possíveis focos de investimento. Mas isso dependerá da renovação da confiança em um reinício duradouro do crescimento na Europa.

Para isso, as decisões de política econômica nos próximos meses serão decisivas e terão mais peso do que de costume. O apoio das autoridades públicas para reduzir os custos fixos das empresas (contribuições sociais e impostos mais baixos e/ou incentivos fiscais para investir) será fundamental. Caso contrário, as empresas podem se concentrar em proteger seu fluxo de caixa, o que também pode incluir demissões para reduzir custos ligados a salários. Isso reduziria investimentos futuros e/ou pagamentos de dividendos, elevando o risco da dissipação da recuperação antes que os níveis pré-crise de patrimônio e prosperidade fossem atingidos. A expansão de esquemas de empréstimos estatais garantidos para o primeiro semestre de 2021 também pode ser um apoio para futuros investimentos pelas empresas.

Figura 5 – Estimativa de dinheiro em excesso de empresas não financeiras, ou seja, economias líquidas + novos empréstimos bancários – investimento fixo bruto (bilhões de euros)

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Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research