Abolir os subsídios aos combustíveis fósseis e direcionar os fundos para energia renovável parece uma vitória fácil para o clima. Afinal, os esses estímulos correspondem a 0,5% do PIB global – o equivalente ao “gap” de financiamento necessário para cumprir o Acordo de Paris. Entretanto, livrar-se deles acarreta em custos elevados para os consumidores, especialmente, para as famílias mais pobres. Estimativas da OCDE e da Agência Internacional de Energia (AIE), mostram que o valor gasto com subsídios aos combustíveis fósseis foi de 468 bilhões de dólares em 2019 (em 81 países). A Figura 1 revela que esses estímulos superam os das energias renováveis ​​na maioria dos países, com a UE-28 e os EUA sendo exceções notáveis. Conforme a Figura 2 ilustra, é provável que isso ocorra devido à presença de uma grande indústria nacional nesse segmento, que possui forte poder político e de lobby em muitos países. Assim, subsídios excepcionalmente altos são pagos na região MENA (Oriente Médio e Norte da África), bem como na Austrália e na Venezuela.

Figura 1: Comparação dos subsídios globais de combustível fóssil vs. energia renovável

Fonte: Allianz Research e IRENA (2020) “Energy Subsidies - Evolution in the Global Energy Transformation to 2050”. UE 28 do anexo do relatório de 2020 sobre o estado da União da Energia nos termos do Regulamento (UE) 2018/1999 sobre a Governação da União da Energia e a Ação Climática.

Embora os subsídios tenham diminuído a nível global, a tendência não é suficiente para alcançar as ambições climáticas. As estimativas da IRENA sugerem que esses estímulos terão que diminuir para 139 bilhões de dólares até 2050, com o objetivo de garantir um caminho de transição energética compatível com 1,5 ° C (Figura 3). Atualmente, mais da metade dos subsídios beneficiam os produtos petrolíferos. A IRENA projeta que os estímulos a energia (renovável e fóssil) diminuam em 26% até 2030 e se estabilizem a partir de 2030, uma vez que a queda de 69% nos subsídios aos combustíveis fósseis, não será totalmente compensada pelo aumento dos subsídios em renováveis. A principal razão é o fato de que a energia renovável se tornará mais barata e, portanto, exigirá relativamente menos apoio estatal. Como essa deflação de custos é amplamente impulsionada por economias de escala, uma parcela maior da carga de custos recairá sobre os primeiros a moverem-se nessa direção. Um esforço amplo e coordenado entre as economias desenvolvidas, tendo a China e a Índia na liderança, permitiria uma distribuição justa do fardo inicial.

Figura 2: Visão global dos subsídios aos combustíveis fósseis

Fonte: Allianz Research com base em dados da IEA e OECD

A persistência em beneficiar esse segmento energético decorre do poder político e de lobby do setor, juntamente com o ritmo lento de transição energética nas economias emergentes. Os subsídios persistem por diversos motivos: falta de divulgação de informações sobre o valor; instituições fracas; falta de confiança no uso de receitas fiscais do governo para abolição dos benefícios (especialmente em países propensos à corrupção); preocupações com o impacto econômico geral (inflação, competitividade); e fracas condições macroeconômicas.

Figura 3: Desenvolvimento futuro esperado dos estímulos ao setor energético

Fonte: Allianz Research, IRENA (2020)

Além disso, a abolição desses subsídios também é politicamente sensível: a maioria dos estímulos beneficia os consumidores (Figura 4, à esquerda), que provavelmente se oporiam às reduções. Essa preocupação também é sustentada pela composição setorial que aproveita esses benefícios (Figura 4, à direita). A maior parte dos subsídios vão para o setor de transportes - que auxília principalmente os consumidores – e o setor residencial. Relatórios do Banco Mundial e do FMI, mostram que os subsídios aos combustíveis fósseis são regressivos e também beneficiam os grupos de renda mais alta, que tendem a consumir mais energia do que as famílias mais pobres. De acordo com o FMI, os subsídios universais aos combustíveis são ineficientes, pois os 20% mais ricos das famílias recebem, em média, cerca de seis vezes mais subsídios do que os 20% mais pobres (Figura 5). Para apoiar os 40% mais pobres das famílias com US$ 1 por meio de subsídios à gasolina, é necessário um total de US$ 14 de despesas relacionadas ao subsídio.  

Figura 4: Apoio a combustíveis fósseis por beneficiário (esquerda) e por setor (direita) (50 países)

Fontes: Allianz Research, OECD (2020)

Nesse contexto, a abolição dos subsídios aos combustíveis fósseis requer uma abordagem holística para garantir uma transição justa. Medidas abruptas não funcionarão. O que é necessário são planos abrangentes para introdução gradual e sequenciamento dos aumentos de preços para permitir que toda a população se ajuste sem criar novos problemas. Isso deve ser acompanhado por transferências de dinheiro direcionadas para famílias pobres, por exemplo, programas de rede de segurança expandidos, subsídios universais temporariamente mantidos em commodities usadas por famílias pobres, ou maiores gastos em programas que beneficiam principalmente as famílias de baixa renda (gastos direcionados com saúde, educação ou infraestrutura).

Figura 5: Distribuição de benefícios de subsídio por grupos de consumo (quintis) em porcentagem

Fonte: IMF, Allianz Research

Atualmente, vários países estão trabalhando na implementação de tais soluções para remover os subsídios aos combustíveis fósseis e usar as receitas fiscais em outros lugares. Por exemplo, o Banco Mundial ajudou o Egito a ajustar as tarifas de eletricidade e a eliminar os subsídios aos combustíveis entre 2014 e 2019. Também contribuiu para a reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis na Ucrânia, que incluiu aumentos nas tarifas de gás e aquecimento urbano, compensados pela expansão da segurança. As Filipinas, Indonésia, Gana e Marrocos introduziram transferências de dinheiro e expansões da rede de segurança social para famílias pobres para compensar a remoção dos subsídios. De acordo com um estudo do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, 53 países tomaram medidas para reformar os subsídios aos combustíveis fósseis ou para aumentar a tributação sobre essa fonte energética entre 2015 e 2020.

Figura 6: Parcela da renda familiar gasta no consumo de energia

Fonte: Banco de dados de consumo global WBG, pesquisa da Allianz.
Os países que tentaram implementar essas reformas sem aplicar medidas complementares enfrentaram protestos populares, enfatizando o quão sensível pode ser o acesso à energia para a maioria das pessoas. A retirada abrupta dos subsídios aos combustíveis fósseis no Equador em 2019, provocou indignação pública, principalmente devido ao aumento repentino dos preços da gasolina e do diesel. Um aumento no preço do diesel e do gás no México em 2017, também gerou protestos violentos e perturbou a economia. E mesmo na França, uma economia desenvolvida, o aumento do imposto sobre os combustíveis iluminou o movimento do Colete Amarelo. Em tais situações, os governos muitas vezes são tentados a recuar em vez de prosseguir com seus esforços nas reformas.