Após dois anos consecutivos de queda (-12% em 2020 e -6% em 2021), estimamos que o nosso Índice de Insolvência Global – indicador proprietário que acompanha o nível de insolvência corporativa no mundo - atinja uma alta de +15% a/a em 2022.

Figura 1: Índice de Insolvência Global proprietário e índices regionais, nível anual, base 100 em 2019

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research
Figura 2: Índice de Insolvência Global proprietário por região
Fontes: Allianz Trade, Allianz Research

Apesar de ter causado uma queda no PIB e no comércio mundial em 2020, a crise da Covid-19 não se traduziu em uma onda de insolvências. Na verdade, nosso Índice de Insolvência Global não apenas encerrou 2020 com uma baixa de -12% a/a, mas essa queda permaneceu estável e ampla ao longo do ano. 80% dos países da nossa amostra (44 países) registraram queda. As exceções foram as economias emergentes da Europa Central e Oriental (+4% na Bulgária, +13% na Turquia e +32% na Polônia), América Latina (+2% na Colômbia e + 11% no Chile) e China ( +1%), em que as insolvências rapidamente voltaram aos níveis pré-Covid-19 na segunda metade de 2020, após um aumento perceptível, mas temporário, no 2º trimestre (+21% a/a). As maiores quedas foram observadas na Índia (-62%, principalmente devido à duração específica da suspensão dos tribunais) e na Europa Ocidental (-18%, nível mais baixo desde 2007, com uma queda acima de -30% observada na Áustria, França, Itália e Bélgica, veja a Figura 4).

Figura 3: Índice de Insolvência Global proprietário (esquerda) e regional (direita) - mudanças trimestrais, a/a em %

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research
Figura 4: Crescimento do PIB em 2020 e insolvências na Europa Ocidental
Fontes: Allianz Trade, Allianz Research, fontes nacionais

O que explica o baixo nível de insolvências por tanto tempo?

Em primeiro lugar, a rápida implementação das medidas de apoio às empresas. Os pacotes de emergência ajudaram as organizações a lidar com o impacto dos lockdowns, evitando uma crise de liquidez, principalmente entre os setores mais afetados pelas restrições. O FMI estima que os primeiros pacotes de apoio público forneceram 60% da necessidade de liquidez das empresas e mitigaram o aumento dos calotes. Em segundo lugar, a renovação destes benefícios no final de 2020 e no primeiro semestre de 2021, embora em menor medida, também foi crucial para manter as insolvências sob controle. E, por último, a forte recuperação da economia global, que deu apoio substancial às empresas, especialmente em um contexto de política monetária flexível.

Observando a sensibilidade histórica das insolvências às tendências macroeconômicas e mantendo todas as outras condições constantes (ceteris paribus), estimamos que o choque econômico global poderia ter resultado em um aumento de +40% nas insolvências mundiais em 2020. Entretanto, o ano passado registrou uma redução de -12%, o que para nós, significa que as intervenções estatais e outras extensões de políticas “faremos o que for preciso”, foram responsáveis por evitar mais de 35% das insolvências em todo o mundo - pelo menos temporariamente.

Este número de calotes 'poupados' é ligeiramente menor nos EUA (32%) e na Alemanha (33%), dois países que começaram 2020 com um baixo volume de casos e terminaram o ano com um número “limitado” de insolvências. Na média, estimamos que as insolvências 'poupadas' representem uma em cada dois casos na Europa Ocidental, mas uma proporção (muito) maior em países que implementaram grandes intervenções estatais, notadamente a França (56%) e o Reino Unido (55%, consulte a Figura 5).

Figura 5: Mudanças no comportamento das insolvências em 2020, simulação ex post vs números observados, insolvências ‘poupadas’

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research

Até agora, em 2021, ainda não há sinais de reversão de tendência (ver Figuras 3 e 6). Nosso índice global atingiu uma nova mínima semestral, após dois trimestres no lado negativo do gráfico (-19% a/a no primeiro trimestre e -3% a/a no segundo trimestre, respectivamente, ou seja, -12% a/a no primeiro semestre). No entanto, este resultado é composto de duas tendências regionais opostas: por um lado, América do Norte e Ásia registrando insolvências mais baixas e, por outro, regiões mostrando uma aceleração no segundo trimestre na comparação anual - que traduz parcialmente a materialização do efeito de base criado pelo impacto das medidas de bloqueio nos tribunais empresariais no mesmo período em 2020.

Os primeiros dados disponíveis para julho e agosto indicam que a tendência de baixos níveis de inadimplência persiste. Isso manteve o número de inadimplências em 2021 abaixo dos números de 2020 na maioria das regiões, com exceção da África, onde Marrocos e África do Sul já estão enfrentando uma recuperação significativa dos calotes, bem como Hong Kong e Índia na Ásia, Polônia e Romênia na Europa Oriental e Colômbia na América Latina. O quadro da Europa Ocidental é misto:

(i) A maioria dos países ainda registra queda no número de casos, incluindo o Reino Unido, apesar do atual cenário britânico apontar para o início de uma reversão de tendência.

(ii) Dois países já enfrentam mais insolvências do que em 2020: Itália (+50% a/a) e em menor medida a Suíça (+1% a/a).

 (iii) Outros dois países já ultrapassaram o nível de insolvências de 2019: Luxemburgo (+5%) e mais expressivamente Espanha (+34%). Observe que este último é um dos três países europeus que registraram os maiores declínios nos níveis de calote antes da pandemia.

Figura 6: Insolvências de empresas - números disponíveis em 2021

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research, fontes nacionais

A tendência desigual na Europa também está escondendo tendências intra-anuais desiguais por setores (ver Figura 7) - mesmo que o setor de serviços continue a ser o maior contribuinte para o número de insolvências (73%), à frente do setor de construção (16%), transformação (10%) e agricultura (1%). Olhando para os números do segundo trimestre de 2021, Espanha e Itália recuperaram rapidamente os níveis trimestrais de insolvências na maioria dos grandes setores devido a uma reversão de tendência. A Espanha está enfrentando uma "recuperação" notável nos setores de restaurantes e hotelaria; transporte e armazenamento; e construção. Ao mesmo tempo, as insolvências continuam em baixa nos setore de restaurantes e hotelaria na Alemanha, França e Holanda. Por outro lado, as insolvências aumentaram moderadamente no setor de construção na Bélgica, França e Alemanha, e estagnaram em um nível baixo na indústria de transformação na maioria dos países, exceto na Espanha.

Figura 7: Insolvências por setor na Europa Ocidental, por trimestre, base 100: 1º trimestre de 2019

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research, fontes nacionais

Nas circunstâncias atuais, esperamos que as insolvências corporativas permaneçam em um nível baixo na maioria dos países até o final de 2021 e que a normalização atrasada ganhe força apenas em 2022. Estimamos que o nosso Índice Global de Insolvência registre um crescimento de +15% a/a em 2022, após dois anos consecutivos de declínio (-6% em 2021 e -12% em 2020), ainda que em alguns países o número de calotes permaneça abaixo dos níveis pré-Covid-19 (-4% em média).

Onde estão os pontos de atenção?

Os mercados emergentes já estão vendo uma normalização dos casos de insolvências em meio as novas restrições e apoio político menos generoso. Esperamos uma elevação de inadimplência na África ainda em 2021 e na Europa Central/Oriental e América Latina em 2022.

Após um declínio notável em 2020-2021 devido à saída mais rápida da pandemia e a recuperação econômica correspondente, a maioria dos países asiáticos registrará níveis de insolvências mais altos em 2022 (+18% aa para a região). A Índia, em particular, verá um forte aumento (+69% a/a) devido à duração específica da suspensão de tribunais entre 2020-2021. No entanto, embora a maioria dos países retorne ao número "natural" e à tendência de insolvências relacionadas às perspectivas demográficas e econômicas de seus negócios, a região em geral ainda registrará menos insolvências em 2021 do que em 2019, a menos que um ressurgimento prolongado do vírus continue a perturbar portos, fábricas e cadeias produtivas.

A Europa, excluindo notavelmente Alemanha e França, verá a maior parte das insolvências se materializando em 2022. A região deve apresentar tendências mistas, com três grupos principais de países:

(i) Aqueles que verão uma grande alta das insolvências até 2022, principalmente no sul devido a uma maior participação em setores sensíveis às restrições da Covid-19 (Espanha e Itália)

(ii) Aqueles que verão uma recuperação perceptível nas insolvências em 2022, mas ainda não retornarão aos níveis anteriores à crise da Covid-19: Suíça (5.600 casos em 2022), Suécia (7.200), Portugal (2.510), Luxemburgo (1.450) e em menor grau, Dinamarca (2.400) e Reino Unido (20.540).

(iii) Aqueles com um retorno atrasado aos níveis pré-crise, devido aos grandes pacotes de apoio e / ou a extensão dos benefícios emergenciais: França (37.000 casos em 2022), Alemanha (16.300), Bélgica (8.150) e Holanda (2.400).

Figura 8: Insolvências de empresas nos EUA, por tipos de processo, número de casos

Fontes: US Courts, Allianz Trade, Allianz Research

Nesse contexto, a principal exceção será os Estados Unidos, com um número baixo e prolongado de insolvências ​​tanto em 2021 (16.800 casos) quanto em 2022 (17.600). Este é o resultado do apoio massivo e da forte recuperação econômica. Na verdade, as três rodadas do “Paycheck Protection Program” (PPP) ainda estão causando um efeito prolongado. O programa forneceu ~35% da folha de pagamento anual para todas as pequenas empresas em 2020, mantendo os números de registros de “Chapter 7” abaixo dos níveis esperados (ver Figura 8 ). As empresas americanas ainda devem se beneficiar de uma economia forte por meio do suporte dos gastos do consumidor, após a recuperação mais forte em três décadas. No entanto, vários fatores podem pôr fim à tendência de queda nas inadimplências: (i) o esperado aperto da política monetária, com a redução das compras de títulos do Tesouro pelo Federal Reserve, que vai desacelerar o fluxo de crédito disponível no sistema financeiro, e (ii) o montante altamente elevado da dívida em todos os setores.

O que moldará o caminho à frente?

Esperamos que a retirada das medidas de apoio relacionadas à pandemia dê início a um retorno ao nível normal de insolvências, mas a trajetória será um tanto assimétrica - devido à recuperação econômica em múltiplas velocidades - quanto gradual - devido ao delicado, mas pragmático ‘faseamento’.

Figura 9: Status do terceiro trimestre de 2021 das principais medidas de apoio às empresas, por região, em número de países (*)

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research
Figura 10: Eliminação gradual das medidas de suporte, cronograma do terceiro trimestre de 2021
Fontes: Allianz Trade, Allianz Research

Na prática, o processo de eliminação gradual já começou (ver Figuras 9 e 10), especialmente em países onde a melhora da situação sanitária permitiu uma recuperação mais rápida (Ásia e América do Norte). Também é possível observar os países onde as autoridades decidiram não estender o apoio (a moratória de insolvência na França) ou mudar para medidas mais direcionadas, por exemplo, excluindo setores não sensíveis às restrições da Covid-19 ou empresas específicas.

No entanto, a diminuição dos programas de auxílio permanece incerta, uma vez que as modalidades exatas do seu encerramento nem sempre estão definidas e, por vezes, vêm com novas medidas para abordar situações específicas com o objetivo de evitar um efeito dominó. Este é especialmente o caso em países com mais disposição e / ou espaço para manobras fiscais para buscar outras medidas de apoio específicas ou grandes políticas do tipo "faremos o que for preciso", como a Alemanha e a França. A partir do terceiro trimestre de 2021, a Europa é a única região onde os principais tipos de apoio às empresas continuam em jogo, principalmente esquemas de licença / desemprego parcial, garantias públicas, diferimento de impostos e transferências de dinheiro.

Esperamos que a maioria dos governos continue ajustando a retirada das medidas de forma gradual, em linha com a melhora da situação macroeconômica. Em outras palavras, após ajudar as empresas a absorverem o choque da Covid-19 com sucesso, esperamos que o próximo passo seja a priorização do gerenciamento do esgotamento de caixa, especialmente para as empresas financeiramente mais frágeis. Esta continua sendo uma fase delicada, conforme evidenciado pelo ritmo desigual de queima de caixa entre os países europeus (ver Figura 11), com uma dinâmica significativamente mais forte na Espanha e na Itália, dois países onde as insolvências estão em alta.

Figura 11: Índice de queima de caixa (*), países selecionados

Fontes: Eurostat, BCE, Allianz Trade, Allianz Research

Gerenciar a pressão sobre a liquidez e a capacidade de resolução das empresas será a chave para evitar um gargalo repentino do sistema de insolvência, que pode surgir de duas preocupações: (i) o elevado número de empresas ainda em risco de se tornarem insolventes, uma combinação de "empresas-zumbis" do pré-crise e empresas fragilizadas pela crise. As primeiras são empresas que já não eram viáveis ​​antes da pandemia, mas foram mantidas por medidas de emergência e continuam em risco de falência, e as últimas são empresas que enfrentam grande turbulência em seus modelos de negócios por causa das mudanças induzidas pela Covid-19 (ver Figura 12).

Figura 12: Relação dívida das empresas / PIB em %

Fontes: Banque de France, Allianz Trade, Allianz Research

A segunda preocupação (ii) é o risco de insolvências associado à tendência de alta anterior à Covid e à rápida recuperação da criação de negócios (consulte a Figura 13 para a Europa). O número crescente de empresas está aumentando mecanicamente a base para potenciais insolvências, em particular em setores onde a criação de novas empresas está altamente relacionada com o atendimento de novas necessidades decorrentes da pandemia, mas com viabilidade incerta.

Figura 13: Registros de novas empresas na UE, números ajustados sazonalmente, trimestralmente, índice 2015 = 100

Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

Ao mesmo tempo, o quadro global também será determinado por dois fatores em jogo na redução do número de insolvências: primeiro, o ímpeto macroeconômico, uma vez que se espera que a maioria dos países mantenha um forte ritmo de recuperação em 2022. A maioria dos países, notadamente as economias avançadas, devem registrar um crescimento do PIB que costumava ser suficiente para observar uma queda nas inadimplências. Na Europa, por exemplo, o PIB deve aumentar em mais de +5% em 2021 e +4% em 2022, enquanto o crescimento mínimo médio de longo prazo necessário para estabilizar as insolvências (ver Figura 14) era de +1,7% antes da pandemia , com elasticidades ligeiramente diferentes por país. Em segundo lugar, está uma tendência de longo prazo que não parou com a crise: o número crescente e o maior uso de procedimentos extrajudiciais (amigáveis​​/preventivos) em todos os países. Por natureza, estes não são tidos em consideração nas estatísticas oficiais de insolvência, que se baseiam maciçamente em publicações judiciais. Além disso, a extensão dos quadros de reestruturação, nomeadamente na Europa desde a Diretiva UE 2019/1023, nem sempre é incluída nas estatísticas oficiais, reduzindo o número de liquidações.

Figura 14: Crescimento mínimo necessário para estabilizar insolvências

Fontes: Allianz Trade, Allianz Research