10 de Setembro de 2020

A pandemia marcou um ponto de virada para as políticas monetárias “não convencionais” nos Mercados Emergentes (MEs), vários dos quais embarcaram em programas de compra de títulos do governo para lidar com os deslocamentos do mercado e flexibilizar as condições monetárias no curto prazo. No entanto, a sustentabilidade da dívida e a inflação são os maiores riscos no curto prazo, especialmente para o Brasil, Costa Rica, Índia, Turquia e Hungria. Como a pandemia gerou pânico entre os investidores em março de 2020, os MEs sofreram saídas de capital líquidas sem precedentes (-USD 84 bilhões, excluindo a China), causando saltos dramáticos nos rendimentos dos títulos do governo.

Nesse contexto, 16 bancos centrais de mercados emergentes anunciaram que estavam prontos para realizar compras de títulos do governo, se necessário. Treze deles já iniciaram essa flexibilização quantitativa, em vez de cortar as taxas de juros oficiais que estavam, em sua maioria, bem acima do limite inferior efetivo. Como resultado desses programas de compra de títulos, os rendimentos dos títulos do governo de longo prazo em nossa amostra de MEs diminuíram em -48pb em média no final de abril em comparação com o final de março. A flexibilização das condições monetárias domésticas foi outro sucesso de curto prazo, conforme demonstrado por nossos índices proprietários de impulso monetário (ver Figura 1). Especificamente, os índices atingiram o nível mais alto desde pelo menos 2009 em 12 dos 16 países que analisamos. Nesse ínterim, a depreciação das moedas locais continuou limitada (com exceção de alguns nomes já esperados).

Figura 1: Mudança nos índices de impulso monetário (pt)

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Fontes: Estatísticas nacionais, Allianz Research

Apesar dos benefícios de curto prazo, se buscados intensamente, esses programas de flexibilização quantitativa dos países emergentes podem causar sérios problemas no médio e longo prazo, como inflação excessiva e excesso de endividamento. A compra sistemática de títulos por um longo período de tempo por um banco central pode abrir a porta para a monetização da dívida e comprometer a credibilidade da política monetária. Se a flexibilização quantitativa implicar grandes quantidades de injeções de liquidez pelo banco central em moeda local, ela pode gerar inflação e também desestabilizar a taxa de câmbio. Nesse caso, a flexibilização quantitativa poderia trazer problemas maiores ao colocar em risco a sustentabilidade da dívida e os balanços do setor privado.

A falta de um marco claro quanto ao tamanho e a duração dos programas de flexibilização dos mercados emergentes, pode trazer problemas. Embora todos os bancos centrais dos 16 MEs analisados neste estudo tenham declarado objetivos razoáveis (sobretudo, fornecer liquidez e garantir um funcionamento regular dos mercados de títulos) para seus programas de compra de títulos, a maioria deles não anunciou o valor máximo que pretendem comprar nem um cronograma definitivo para seus programas. Portanto, existe o risco de que os programas de flexibilização não sejam reduzidos depois que os objetivos forem alcançados. Para esses países, também pode haver a tentação de flexibilizar os crescentes fardos de dívida em moeda local simplesmente inflando-os. Nesse contexto, os programas da Indonésia e da Polônia geraram alguma preocupação de que os bancos centrais possam de fato monetizar a dívida do Estado além dos limites apropriados. Os bancos compraram títulos do governo no valor de 6,8% e 4,6% do PIB de março a agosto, respectivamente, os maiores índices entre os 16 MEs. O banco central da Indonésia é, até o momento, o único que também realizou compras diretamente no mercado primário, uma medida normalmente considerada 'tabu', embora os mercados tenham sido tolerantes até agora. E em relação à Polônia, há preocupações de que se as compras continuarem no ritmo atual até o final de 2020, o banco central estará financiando quase todo o déficit fiscal deste ano, projetado em torno de -8% do PIB.

Quais mercados emergentes que enfrentam o maior risco de sustentabilidade da dívida? Descobrimos que Brasil, Costa Rica, Índia, Colômbia e Croácia apresentam o maior risco de endividamento. O Brasil obtém a pior classificação em nossa Pontuação de Risco de Sustentabilidade da Dívida devido à sua dívida pública muito elevada e aos títulos de dívida do governo mantidos pelo banco central. Ao mesmo tempo, o baixo nível de eficácia do governo sugere uma improbabilidade de se aprovar reformas fiscais para melhorar a situação. A Costa Rica está classificada com o segundo maior risco devido a um grande fardo de pagamento de juros e o maior aumento no spread acumulado no ano (+357 pontos-base). No entanto, as compras de títulos da Costa Rica, bem como da Colômbia e da Índia, foram modestas até agora. Apenas o banco central da Croácia já comprou títulos do governo no valor de 4,2% do PIB desde março e, portanto, precisa ser mais cauteloso no curto prazo. Enquanto isso, a Polônia, que comprou mais do que a Croácia, obteve uma boa pontuação em nossa análise, graças aos baixos pagamentos de juros (3,7% das receitas fiscais) e a um governo relativamente eficaz. A Indonésia não está entre os cinco mercados mais arriscados, graças a uma carga de dívida pública total comparativamente baixa (37% do PIB). A África do Sul, geralmente suspeita quando se trata de riscos de dívida, é classificada na média, pois sua alta dívida pública geral (78% do PIB) é equilibrada pela parcela que cresce rápido, mas ainda é pequena, da dívida pública em moeda estrangeira (11% do total).

Quais mercados emergentes que enfrentam o maior risco inflacionário? Turquia, Hungria, Tcheca, Polônia e Romênia apresentam os maiores riscos de inflação. Nossa pontuação de risco inflacionário sinaliza que a Turquia enfrenta claramente o risco inflacionário mais alto, pois é o único país com uma taxa de inflação de dois dígitos (11,8% a/a em julho), enquanto a atual taxa de juros parece muito baixa (8,25%). Os quatro países da Europa Central que se juntam à Turquia nos cinco mercados mais arriscados em relação às pressões inflacionárias também têm taxas de juros reais (ajustadas pela inflação) significativamente negativas, embora a inflação anual tenha aumentado nos últimos meses e agora esteja perto das metas de inflação dos respectivos bancos centrais. A Índia, que ocupa a sexta posição, registrou uma elevada taxa de inflação de 6,9% a/a em julho e também tem uma taxa de juros oficial negativa, mas uma dependência moderada das importações de bens essenciais e um elo fraco entre M2 e o crescimento dos preços.

Olhando para os riscos combinados, nossa análise identifica a Turquia, Hungria, Romênia e Índia como os MEs mais arriscados que implementaram programas flexibilização após a pandemia da Covid-19 (ver Figura 2). Para fechar a Caixa de Pandora antes que as coisas saiam do controle, essas políticas de flexibilização quantitativa devem ser conduzidas de maneira temporária e de acordo com um marco bem definido.

Figura 2: Pontuações de sustentabilidade da dívida e risco inflacionário

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Fontes: Estatísticas nacionais, FMI, IIF, Bloomberg, IHS Markit, Allianz Research

Além disso, sem um forte compromisso fiscal, os programas de flexibilização podem se tornar contraproducente e desencorajar os investidores internacionais no médio prazo.

Se essas políticas forem conduzidas sem um cronograma e uma referência de tamanho definidos, é provável que aumente o custo de empréstimos do governo no médio prazo. Na verdade, em meio à crescente inflação e preocupações com a sustentabilidade da dívida, os investidores podem solicitar prêmios de risco mais elevados para novas emissões de dívida em moeda local de MEs. Este apetite de baixo risco pode ser problemático para os MEs que precisam refinanciar dívidas com vencimento nos próximos anos. A Figura 3 revela que os governos do Brasil, Tailândia, Índia, Turquia, Indonésia e Malásia devem efetuar o pagamento de mais de USD 50 bilhões de dívida pública até o final de 2022. Além disso, espera-se que o Fed normalize sua política monetária a partir de 2022. Isso pode aumentar a pressão sobre o custo de empréstimo dos Mês.

Figura 3: Estrutura de vencimento da dívida pública (USD bilhões)

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Fontes: Bloomberg, Allianz Research