A intensa escassez de materiais, principalmente de semicondutores, está criando um descompasso entre oferta e demanda no setor automotivo europeu, que pode durar até o primeiro semestre de 2022. Isso cria uma janela única de oportunidade para as fabricantes aumentarem seus preços em até 6% - após quase 20 anos de restrições no segmento.

Durante o primeiro semestre deste ano, a demanda por novos veículos na Europa se beneficiou da grande reabertura: os registros de carros novos cresceram +25,2% em comparação com o primeiro semestre de 2020 , levando a quantidade de novas unidades para o total de 5,4 milhões, com ganhos significativos de dois dígitos na maioria dos países (ver Figura 1). Destaque para os quatro principais mercados: +14,9% na Alemanha, +28,9% na França, +51,4% na Itália e +34,4% na Espanha.

Entretanto, essa melhoria ainda não é suficiente para se igualar aos volumes pré-crise, uma vez que o primeiro semestre de 2019 registrou 6,9 milhões de automóveis de passageiros (ou seja, +1,5 milhões de unidades). No entanto, já contribuiu de forma significativa para melhorar o sentimento das empresas no setor, conforme evidenciado pela pesquisa da Eurostat sobre os fatores que limitam a produção (ver Figura 2). De acordo com o estudo, no 2º trimestre de 2021, o fator “demanda” registrou uma forte queda - comparado com os altos níveis alcançados no 2º e 3º trimestre de 2020 - atingindo níveis abaixo da média de longo prazo.

Figura 1: Produção e vendas de veículos novos, UE-27

Fontes: ACEA, Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

No entanto, a pesquisa também indicou elevada preocupação relacionada aos materiais/equipamentos como limitador a produção, devido às mudanças regulatórias nas emissões de CO2 e à falta de semicondutores, levando as montadoras a optarem por processos de produção just-in-time para evitar acúmolo de estoque.

Em maio, o índice global de volume de produção do setor caiu para o nível mensal mais baixo desde 2010 (-7,8 % m/m) com a maioria dos países fabricantes de automóveis contribuindo para a queda, incluindo os principais. Neste contexto, o nível de produção alcançado na UE ainda estava bem abaixo do nível pré-crise (-23% em relação à média de 2019), com um golpe mais forte para os principais fabricantes (-33% na França, -30 % na Alemanha, -25% na Espanha e -10% na Itália) do que para outros como: República Tcheca (-6%), Suécia (-6%) e Hungria (-5%).

Figura 2: Fatores que limitam a produção no setor automotivo, UE-27, pesquisa trimestral

Fontes: ACEA, Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

Olhando para episódios anteriores de falta de materiais, a intensidade alcançada no segundo trimestre de 2021 parece exceder o desvio padrão em 2,5 vezes. Particularmente, mais severa na Alemanha e Espanha (51% da produção da UE) e em menor medida na Finlândia, Holanda e Eslováquia (ver Figura 3). O desequilíbrio na intensidade da escassez reflete diferenças na antecipação da demanda, relacionamentos desiguais com fornecedores e diferenças nos tipos de necessidades de chips no carro.

Calculamos que a carência atual poderia levar em média 3,5 trimestres para se normalizar, com a Alemanha e a Suécia expostas a uma espera mais longa (3,9 trimestres para cada, ver Figura 3). No melhor cenário, com uma recuperação começando no terceiro trimestre de 2021 - que é o momento mais citado pelos fabricantes de automóveis atualmente - estimamos que o processo será concluído no segundo trimestre de 2022. Curiosamente, o prazo de recuperação é maior na Europa Ocidental (3,5 trimestres) do que na Europa Oriental (menos de 3).

Figuras 3a e 3b: Escassez por país, UE-27, 2º trimestre de 2021

(*) em número de desvio padrão observado nos últimos vinte anos

(**) em número de trimestres

Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

A escassez de longa duração manterá um descompasso entre oferta e demanda na Europa até o primeiro semestre de 2022, uma vez que os fundamentos da demanda doméstica permanecem bem orientados para o curto e médio prazo. Isso se deve a vários motivos. Alguns estão diretamente relacionados à grande reabertura, com o aumento da confiança do consumidor e o desencadeamento (parcial) de quantias significativas da poupança das famílias. Outros, são fatores específicos de apoio à compra e/ou renovação de veículos, disposição das famílias em ficarem menos dependentes/expostas ao transporte coletivo, subsídios para favorecer a mudança para os carros elétricos, intensificação das restrições ao uso de carros movidos a motores de combustão e, posteriormente, em 2022, a necessidade das locadoras de veículos atualizarem suas frotas.

Ao mesmo tempo, não esperamos que as exportações mitiguem o descompasso entre oferta e demanda, uma vez que o mercado dos EUA está vendo uma dinâmica mais forte (com vendas de veículos já perto dos níveis pré-crise no primeiro semestre de 2021 (8,5 milhões de unidades)), o que deve impactar as montadoras que exportam para os EUA (principalmente as alemãs). Os pedidos domésticos e de exportação já voltaram aos níveis máximos em junho, de acordo com pesquisas comerciais, apontando para uma perspectiva sólida na demanda para os próximos meses (ver Figura 4) - desde que a situação sanitária permaneça sob controle.

Figura 4: Opinião das empresas sobre a escassez (material/equipamento), expectativas de preços, pedidos, estoques e utilização da capacidade de produção, UE-27

Fontes: Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research

Neste contexto, esperamos que os preços dos automóveis aumentem pelo menos +4% na Alemanha, com potencial para ultrapassar +10%. Espanha e Itália podem ver aumentos entre +2,4% e +5,8%, enquanto a França pode ver um aumento entre +0,8% e +5,0%.

Ao contrário do passado, o setor automotivo agora enfrenta uma situação de oferta única com todas as estrelas alinhadas: um nível muito alto de pedidos; utilização elevada da capacidade de produção, o que está refletindo os severos ajustes feitos pelo setor durante a pandemia; e baixíssimo nível de estoques, tudo isso em um momento em que as empresas enfrentam o aumento dos preços das matérias-primas (borracha, cobre, aço) e maiores fretes.

Este moemnto único está apoiando um maior repasse para o consumidor, porque está "ajudando" os fabricantes de automóveis a continuar ajustando seu mix de produtos em favor dos carros mais lucrativos para o benefício do segmento premium - e, portanto, das marcas alemãs. As demonstrações financeiras disponíveis para o primeiro e segundo trimestre de 2021 costumam confirmar margens boas, se não fortes, apesar dos volumes mais baixos. Este contexto também está implicando uma tendência de alta nos preços de carros usados ​​na Europa, mas não com a mesma magnitude observada nos EUA, uma vez que o mercado dos EUA provou ser muito mais restrito pela oferta (com a relação estoques/vendas caindo para um mínimo histórico em maio de 2021).

Figura 5: Evolução dos preços dos automóveis novos e usados, UE-27 e EUA

Fontes: Manheinm, BEA, Eurostat, Allianz Trade, Allianz Research